quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A CIDADE DE ITACOATIARA, segundo a ótica do ex-prefeito Coronel Queiroz, sucessor do Cel. Cruz.




A  C I D A D E

Como te conheci !...
Eras bela, florescente, esplendorosa...
Tuas ruas e tuas praças primavam pela limpeza e pela elegância tua arborização era bem cuidada e teu povo era alegre, unido e forte...
A brancura nívea da tua casaria compacta,
emulava ciosa da alvinitência deslumbradora da areia das tuas avenidas largas e extensíssimas...
Teu progresso era visível e tua fama enchia o mundo, levada por essa garbosa flotilha estrangeira que embelezava o teu modesto ancoradouro...
Teus habitantes, sóbrios e despidos de tolos precon­ceitos, num amplexo de larga fraternidade, trabalhavam só para ti, só pelo progresso e pela tua grandeza, que já se delineavam no avanço que ganhastes á frente das outras cidades tuas irmãs...
Tudo em ti era grandioso, tudo era esperança, tudo era altruísmo; o entusiasmo atingira ao delírio, seu máximo expoente.
Se em teus bailes não se via o esplendor que afetam hoje, numa ostentação de fementida riqueza, havia, entre tanto, neles uma música mais suave, de ritmos mais cadenciados, de acordes mais impressionantes; era a harmonia social, a harmonia das amizades, tão diferentes das de hoje pelo cunho indelével da sinceridade que ressumbrava de todas as afeições daqueles belos tempos. Era a musica do coração...
E tu evoluías n'um andar gigantesco de filha privilegiada do destino.
Hoje! como mudaram-se os tempos! Ó tempore! ó amores!
A ti fizeram o que costumam fazer ás noivas quando elas, recebendo no altar sagrado o ente amado, devolvem-se á sala sumptuosa da festa nupcial...
Tiraram-te os botões alegóricos de tua grinalda nunca maculada e destribuiram-nos pelos convivas refalsados, que te olhavam de soslaio ao calcarem, maldosos, sob os pés, o símbolo de tua pureza virginal...
Poluíram sem dó, com indizível insídia, a candidez armínia, de tuas vestes pulcras...
E deixaram-te assim...
Parece que sobre tí desencadearam-se, implacáveis, todos os males que continha o maldito relicário de Pandora !
Onde aquela fraternidade, aquela concórdia, aquela coesão de vistas que faziam de todos os teus habitantes uma só força, uma só alavanca do teu progresso sempre crescente ?
Que é feito daquela boemia cativante e amorável que era indistintivamente; o característico apanagial do teu povo que tinha sempre o coração aberto em descomunal diástole às grandes empresas, ás generosas e grandes ações ?
Tuas ruas, transformadas em vastos matagais, foram
prezas  indefesas do furor indômito das chamas ateadas pela malvadez doentia de desnaturados seres, que, como o joio, nos trigais, insinuam-se pérfidos e maldosos nos meios mais seletos; que como o miasma deletério, atrofiam o mais puro ambiente...
E ei-las, as tuas ruas, negras, vestidas de intenso luto, como se tivessem a consciência de sua grande desventura...
Nem a tua necrópole, deposito inestimável de tantas relíquias sagradas; nem a santa morada daqueles que foram os teus antepassados, nada respeitou a faina violenta e destruidora do elemento ígneo.
Como se um rastilho houvesse minado toda a tua superfície, nem uma rua, nem um quintal dos teus subúrbios, escaparam ás conseqüências da perversidade atroz.
Quem te governa? Sabei-la tu? A que mãos sacrílegas confiaram os teus destinos?
Os destroços mutilados de tua grandeza d’outrora são o atestado vivo do abandono em que deixaram-te.
A intriga e as discórdias, fruto das perseguições desumanas de que tens sido teatro, impeliram-te para essa queda moral de que não te levantarás tão cedo; a desídia a Incompetência e a ignorância daqueles cujos carinhos fostes confiada, arrastaram-te a isso que, materialmente és: uma velha cidade, sem estética, sem limpeza, sem luz sem higiene!
O teu povo é o mesmo: bom e generoso. Expele do regaço os maus, e terás o teu ressurgimento, belo e grandioso...
Na celebre boceta aberta por Epimethéo ficara ainda a esperança...
Ainda bem que tens a esperança oh! abençoada Itacoatiara, que eu adoro sempre.

04 de setembro de 1916

JUSTUS


Fonte:  Queiroz, Joaquim Francisco. O Município de Itacoatiara – Os inimigos do seu progresso e sua administração municipal. Livraria Clássica. 1916

Um comentário:

Frank Chaves disse...

A poesia, que compõe a primeira obra literária que versa sobre o cotidiano de Itacoatiara, retrata o momento em que o ex-prefeito Coronel Queiroz, perseguido pelo Coronel Cruz, prejudicou o seu governo. O velho Cel. Cruz, que dá nome hoje a uma escola tradicional de nossa cidade, como presidente da antiga Câmara Municipal de Itacoatiara, dificultou bastante a administração do prefeito Cel. Queiroz, que lhe fazia oposição. Na época, a Câmara é que tinha o poder de admitir e demitir os funcionários da Prefeitura. Nesse período, a Prefeitura tinha apenas 5 funcionários (1916), sendo um iluminador público, um coveiro, dois auxiliares de serviços gerais e o secretário da Prefeitura além do prefeito e na época ainda não existia a figura do vice. Usando de suas atribuições na época, o velho Cel. Cruz, insatisfeito por seu candidato a prefeito ter perdido a eleição. Ele demitiu os cinco funcionários da Prefeitura, deixando o Cel. Queiroz, que hoje empresta seu nome para uma rua de nossa cidade, de mãos atadas. Deixando a cidade escura, pois o único iluminador público, que era responsável por iluminar diariamente os lampeões (luminárias) a querosene que ficavam instaladas em alguns poucos postes de madeira, localizados no antigo centro da cidade. Demitiu também as duas pessoas que faziam a limpeza, basicamente da frente da Prefeitura, da frente da igreja, do porto e de alguns pontos de referência da cidade, nessa época não existia asfalto ne calçamento público. E o pior de tudo, lamentava o velho Cel. Queiroz, o fato do presidente da Câmara Cel. Cruz, ter demitido o único coveiro da cidade. Por causa disso, as pessoas tiveram que contratar por conta própria, pessoas para cavarem os sepulcros de seus entes queridos. Essas queixas, estão imortalizadas na obra literária: Os inimigos do seu progresso e sua administração municipal, editada pela Livraria Clássica em 1916. Tenho uma cópia dessa obra em minha biblioteca particular, e como estamos passando por esse momento de transição, onde a cidade já está sofrendo a paralisação orquestrada de vários serviços públicos, trouxe essa obra a luz, para mostrar que nossa cidade, já sofre da hipocrisia e da pequenez dos administradores públicos a muito tempo, e que na realidade, nesse campo, quase nada avançou. Talvez isso justifique porque a nossa cidade tenha tantos anos e tenha pouco se desenvolvido. Tudo por conta da politicagem que não põe em primeiro lugar o interesse coletivo e sim os interesses pessoais a cima de tudo. Isto é uma vergonha!

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