terça-feira, 28 de novembro de 2017

Vou embora para o passado - Memórias de Mário Benigno



Meu hobby arrumar e contar história envolvendo o passado. Quem achar que é caretice lembrar o passado que me perdoem. A dor que mais dói é a dor da saudade, mas com quem lembrar se todos ou quase todos meus contemporâneos já se foram, mas vale apena recordar sou saudosista, mas quem não é...! 

Vou embora para o passado, lá tem quarteto musical “cristal” de Luiz Gama no violino, Luiz Pinga com o vozeirão que Deus lhe deu, João Onety e Luiz Bacural no violão, serenatas nas noites enluaradas com ou sem estrelas, ausência da luz artificial na negra escuridão salpicadas de estrelas entoando as mais lindas canções de amor na janela da mulher amada. 
Lá tem ruas interditadas ornamentadas com bandeirinhas e corrente de papel de seda e crepom, festas juninas palco da moçada apresentarem dança das quadrilhas, dos tucanos, poetas José Barros e Eliezer Fernandes versando com bumba meu boi nas noites de São João, compadres, amigos, rapazes, moças e crianças brincarem de rodas entoando canções passadas de geração a geração dar as mãos colorindo à realidade das crianças ou ao seu imaginário ecoando nas paredes do tempo com fogos de artifícios a pipocarem no ar. 
Vou embora para o passado tem restinga do ingaipau enchente do Rio Amazonas forma o piscinão natural do “campo do Ozório” onde moçada se diverte. Tem balneário da prainha recanto aprazível ao sombreiro de suas árvores e palmeira do buritizal, quietude das águas e brancura de suas areias convite para se banhar o corpo, refrescar e purificar nosso estado d’alma. 
Estrada do fomento agrícola engenheiro agrônomo Dr. Fiuza Lima para gerenciar o órgão e o encarregado de adubar e fertilizar a terra Honorato Senna.
Tem pesca da piracema e íngreme peral do jauary, correnteza das águas palco do pescador, tarrafa tingida com folhas de crajiru para ludibriar o peixe, caboclo na proa da canoa com experiência e habilidade que lhe é peculiar lança seu cesteiro colher o onipresente jaraqui poupança do pescador, peixe nos tabuleiros, feiras e mercados em cambadas e fieiras, lei da oferta e da procura, uma é dois, três e cinco conto de reis e dá mais um de lambuja. 
Na outra margem do rio tem pesca artesanal da tartaruga, pescador artífice no manejo de sua montaria (canoa) e ferramenta de trabalho arpão e zagaia observa o quelônio à longa distância no jogo de vista lança a ferramenta, pontaria certeira e o quelônio arpoado ergue o troféu e conquista o pódio. 
Vou embora pro passado têm o apreciar no porto do Mercado Municipal aviões aquáticos da Panair do Brasil aquantiarem, piloto alçar a boia-âncora, catraieiro João Balby conduzirem com segurança os passageiros até o porto de desembarque, espetáculo decolar e levantar voo da belonave no embalo da correnteza do Rio Amazonas voar sob o céu de brigadeiro.
Têm os bicheiros munidos de lapiseira ou lápis, caderneta para fazer anotações do jogo com direito a apostas, palpite e adivinhações promessa de acertar no grupo ou simples no jogo da sorte, se joga no jacaré tinga dá o Assú perde a parada. 
Vou embora para o passado tem o terreiro da macumba galinha preta na encruzilhada para refazer o amor perdido ou a fortuna que se evadiu, os mais afoitos pedem o espírito imoral com o caboclo da perna grossa. Lá “sou fio da veia em mim não pega nada a veia forte na encruzilhada”.
Lá, tem as lavadeiras de cacimbas à beira dos igapós, Iracy e lago do Jauary ensaboam roupa com o sabão em barra borboleta, tuxaua, pintado, cutia, anil imperial, para clarear apagar carocha ou nódoa usam barrela de boi, seca desmanchada n’agua em fusão com limão caiana fica alvinha que dá gosto, depois do enxaguo estende ao sol sobre a grama natural odor agradável do capim patichuli.
Vou embora para o passado, fumantes se deliciam com cigarros e cigarrilhas das marcas Elmo, Astoria, Víctor, Dalila, Hoolywood, Continental, extra forte sem mistura cigarro Duquesa, e o tabaco de mole mentolado. Ah! Os biriteiros com seu ritual tomar uma pinga e jogar outra pro santo.
Tem nas manhãs de domingo, chique da rapaziada com seu cavalo alazão, manga larga, e poldro puro sangue, jóquei clube improvisado hipódromo Avenida Ruy Barbosa trecho compreendido Isac Peres até o matadouro municipal para corridas de cavalos 
Vou embora para o passado tem rádio difusora “voz sapinho”, alcunha devida o coaxar dos batráquios aquático na lagoa pertinho do estúdio sem impermeabilização. Tem cines Geny do Luiz Pomar, Cinco Unidos do Dib Barbosa e Alvorada do Grupo Chibly exibindo em CinemaScope Victor Mature em Sansão e Dalila, Manto Sagrado, Demétrius e os Gladiadores, Tarzan rei das selvas com Johnny Veissmuller, Jany e boy. 
Tem o navio do Lloyd brasileiro Raul Soares, Almirante Alexandrino, Poconé e Hilary Boot Lene atracados no porto da cidade desembarcando mercadorias para consumo da cidade e embarcando produtos regionais destino sul do país e mundo afora.
Feira livre vendendo do cheiro-verde ao pé-de-moleque enxertado com castanha do Brasil, variadas frutas naturais sem agrotóxico, farinha seca e d’água, jerimum caboclo e o bolo de milho do seu Joaquim. Tem o olho d’água no vertente do porto do Lloyd a borbulhar e jorrar o precioso líquido filtrado pela própria natureza para o saboreio dos usuários. 
Vou embora para passado, tardes de domingo no Estádio Floro de Mendonça assistir clássicos do futebol amador praticar arte do rei Pele, ouvir RDI e o vozeirão do Antero Serudo Rebelo narrando colocando o ouvinte como se estivesse à beira do gramado, comentário intermediário Luiz Onety, Antônio Batista, Mário Benigno, Raimundo Nazaré controle técnico Arlindo Fonseca o boroboro. Tem a farmácia “Triunfante” do Argus do Amaral Valente atendendo no domicilio lutando por um lugar ao sol.
Tem tardes ensolaradas saboreio geladinho do guaraná Rio Negro suavizar sede calor de 39º. À noite no largo da matriz café do “pocoxito” pãozinho das 10h da noite da padaria “beijou” da dona Esperança Oliveira, fresquinho deitar na manteiga saboreá-lo com bom apetite. Bate-papo informal até altas horas, frequentadores sem medo do bicho homem e sim das almas santas perdidas, fantasmas, matin-pereira mula sem cabeça e a porca preta. 
Vou embora para o passado tem o bar Imperial do Sr. Maximino Araújo com sua seleta freguesia das 11:00 horas: Cristovam Hermida, Heli Paiva, Antônio (Antonico) Ferreira, Prefeito Antônio de Araújo Costa e seu assessor Raimundo Perales a degustarem um especial aperitivo.
Tem Bar do povo do Carlos Barros e seu parceiro Carmello Perrone, contraste: proprietários e garçons todos desnudo da cintura à cima e as cadeiras bem vestidas encapadas de linho branco com letras inicias aplicadas em alto relevo. 
Vou embora para o passado lá tem Luiz da Paz Serudo Martins parceiro especial enturmando com Paulino Gomes, Toniquinho Mendes, João Rodrigues bochecha e Alberto Nascimento, nas manhãs de sábado dia dos homens vazios fazer via sacra pelos lugares pitorescos botequins, bares e boteco saborear famosa meladinha (cachaça com mel de abelha), e o afrodisíaco xexuá conversar e contar potocas no quiosque do Chico Honorato.
Festa do Divino os primórdios Roldão Alves, Manoel Português nos preparativos das festividades, alvorada banda musical orquestrada pelo saxofonista Doca Rates, fogos de artifício a pipocar no ar, anunciando para os quatro cantos da city que a festa vai começar senhoras templários Guerreiros de Cristo preparando guloseimas para distribuir entre os irmãos devotos, velha tradição. 
Vou-me embora para o passado, aguerrido camarada comunista Paulo Pedraça Sampaio, amigo de grandes tertúlias políticas bebericarem loura suada no bar do Lioca, pra variar garapeira do Augusto Hipólito degustar saboroso caldo de cana geladinho, vontade de tomar gritando quanto atinge o dente sensível e não quer jogar fora o produto. 
“Tempo bom/que não volta mais/saudade do que passou”.

fonte: Mário Benigno Mendes.

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